A eternidade
de Deus pode ser definida assim: Deus não tem princípio nem fim nem sucessão de
momentos no seu próprio ser, e percebe todo o tempo com igual realismo; ele,
porém, percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo.
Às vezes
essa doutrina é chamada doutrina da infinitude de Deus com respeito ao tempo.
Ser "infinito" é ser "ilimitado", e a doutrina ensina que o
tempo não impõe limites a Deus.
Essa
doutrina está também associada à imutabilidade de Deus. Se é verdade que Deus
não muda, então necessariamente devemos dizer que o tempo não muda a Deus: não
tem efeito sobre seu ser, suas perfeições, seus propósitos e suas promessas.
Então, isso significa que o tempo não exerce influência, por exemplo, sobre o
conhecimento divino. Deus jamais aprende coisas novas nem nada esquece, pois
isso significaria uma mudança no seu conhecimento perfeito. Isso implica também
que a passagem do tempo nada acrescenta nem nada subtrai ao conhecimento de
Deus: ele conhece todas as coisas passadas, presentes e futuras, e as conhece
com igual realismo.
Deus é
eterno no seu próprio ser. O fato de Deus não ter princípio nem fim está
explícito em Salmos 90.2: "Antes que os montes nascessem e se formassem a
terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus'. Do mesmo modo, em Jó
36.26, Eliú diz sobre Deus: “... o número dos seus anos não se pode calcular”.
A eternidade
de Deus é também afirmada por passagens que abordam o fato de que Deus sempre é
ou existe. "Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que
era e que há de vir, o Todo-poderoso" (Ap 1.8; 4.8).
Também está indicada no ousado uso por parte de
Jesus, quando de uma resposta aos seus adversários judeus, de um verbo no tempo
presente que sugere contínua existência presente: ‘‘Antes que Abraão existisse,
Eu Sou” (Jo 8.58). Essa afirmação é em si mesma uma explícita afirmação do nome
de Deus, “Eu Sou o Que Sou!”, de Êxodo 3.14, nome que
também implica contínua existência presente: Deus é o eterno "Eu
Sou", aquele que existe eternamente.
O fato de Deus jamais ter começado a existir
pode também ser deduzido da verdade de que Deus criou todas as coisas e de que
ele é um espírito imaterial. Antes que Deus fizesse o universo, não havia
matéria, mas então ele criou todas as coisas (Gn 1.1; Jo 1.3; 1Co 8.6; Cl 1.16;
Hb 1.2). O estudo da física nos diz que a matéria, o tempo e o espaço precisam
ocorrer ao mesmo tempo: se não há matéria, não pode haver nem espaço nem tempo.
Assim, antes que Deus criasse o universo, não havia "tempo", pelo
menos não no sentido de uma sucessão de momentos. Portanto, quando Deus criou o universo,
também criou o tempo. Quando Deus começou a criar o universo, o tempo começou,
e começou a haver uma sucessão de momentos e acontecimentos encadeados. Mas
antes de haver um universo, e antes de haver o tempo, Deus sempre existiu, sem
princípio e sem ser influenciado pelo tempo. E o tempo, portanto, não tem
existência por si mesmo, mas, como o resto da criação, depende do eterno ser
divino e do eterno poder divino para continuar existindo.
Deus percebe todo o tempo com igual realismo. É
em certo sentido mais fácil para nós compreender que Deus percebe todo o tempo
com igual realismo. Lemos em Salmos 90.4: “Pois mil anos, aos teus olhos, são
como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite”.
Às vezes temos
dificuldade para relembrar acontecimentos ocorridos há algumas semanas, meses
ou anos. Lembramos acontecimentos recentes com mais realismo, e a clareza da
nossa memória se esvai com o passar do tempo. Ainda que nos fosse possível
viver "mil anos", lembraríamos bem poucos acontecimentos ocorridos
centenas de anos antes, e a clareza dessa lembrança seria bem pouco nítida. Mas
aqui as Escrituras nos dizem que Deus percebe mil anos “como o dia de ontem”.
Ele consegue se lembrar detalhadamente de todos os acontecimentos de mil anos
atrás com clareza pelos menos tão nítida como quando recordamos os eventos de
"ontem". De fato, para ele mil anos são como “a vigília da noite”, o
período de três ou quatro horas durante o qual uma sentinela deveria vigiar.
Tal período de tempo passava rápido e todos os acontecimentos eram facilmente
relembrados.
Porém, é
assim que Deus percebe um período de mil anos.
Quando percebemos
que a expressão "mil anos" não subentende que Deus esquece as coisas
após 1100 ou 1200 anos, mas antes exprime um tempo tão longo quanto se possa
imaginar, fica evidente que Deus enxerga toda a história passada com grande
clareza e realismo: todo o tempo desde a criação é para Deus como se tivesse
acabado de acontecer. E sempre terá na consciência de Deus a mesma clareza, ao
longo dos milhões de anos da futura eternidade.
No Novo
Testamento, Pedro nos diz: "... para o Senhor, um dia é como mil anos, e
mil anos, como um dia" (2Pe 3.8). A segunda metade dessa afirmação já fora
feita no Salmo 90, mas a primeira introduz uma consideração a mais: "um
dia é como mil anos", ou seja, qualquer dia, do ponto de vista divino,
parece durar "mil anos". É como se esse dia jamais terminasse, mas
estivesse sempre sendo vivido. Novamente, como "mil anos" é uma
expressão figurada que exprime "um tempo tão longo quanto se possa
imaginar", ou "toda a história", podemos dizer com base nesse
versículo que qualquer dia parece a Deus estar eternamente presente na sua
consciência.
Juntando as
duas considerações, podemos dizer o seguinte: do ponto de vista de Deus,
qualquer período extremamente longo de tempo é como se tivesse acabado de acontecer.
E qualquer período muito curto de tempo (um
dia, por exemplo) para Deus parece durar para sempre: jamais deixar de ser
"presente" na sua consciência. Assim, Deus vê e conhece todos os
eventos passados, presentes e futuros com igual realismo. Isso não nos deve
fazer pensar que Deus não vê os eventos no tempo nem age no tempo, mas
justamente o contrário: Deus é o Senhor e Soberano eterno da história, vendo-a
com mais clareza e nela agindo mais decisivamente do que qualquer outro. Mas,
tendo dito isso, ainda precisamos afirmar que esses versículos falam da relação
de Deus com o tempo de um modo que não experimentamos, nem podemos
experimentar; a experiência divina do tempo não é apenas um paciente suportar
de éons de duração infinita; antes, ele tem uma vivência qualitativamente
distinta do tempo em comparação conosco. Isso é compatível com a ideia de que
no seu próprio ser, Deus é eterno; não experimenta uma sucessão de momentos.
Essa tem sido a visão dominante da ortodoxia cristã ao longo da história da
igreja, embora tenha sido muitas vezes desafiada, e mesmo hoje muitos teólogos
a neguem.
Sempre
existiremos no tempo. Será que algum dia participaremos da eternidade de Deus?
Especificamente, no novo céu e na nova terra que hão de vir, será que o tempo
ainda existirá? Alguns supõem que não. E lemos nas Escrituras: ''A cidade não
precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus
a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada [...] porque, nela, não haverá
noite" (Ap 21.23, 25; cf. 22.5).
No entanto,
não é verdade dizer que o céu será "intemporal" ou alheio à presença
do tempo ou à passagem do tempo. Antes, como somos criaturas finitas,
necessariamente experimentaremos os acontecimentos uns após os outros. Mesmo a
passagem que fala sobre a inexistência da noite no céu também menciona o fato
de que os reis da terra levarão à cidade celeste "a glória e a honra das
nações" (Ap 21.26). Lemos a respeito da luz da cidade celeste: ''As nações
andarão mediante a sua luz" (Ap 21.24). Essas atividades de levar coisas
até a cidade celeste e andar mediante a luz da cidade celeste implicam que os
acontecimentos vêm uns após os outros. Algo está fora da cidade celeste e,
depois, num momento posterior do tempo, essa coisa faz parte da glória e da
honra das nações levadas até a cidade celeste. O ato de depositar a coroa
diante do trono de Deus (Ap 4.10) exige que num momento a pessoa esteja com a
coroa e, num momento posterior, essa coroa seja depositada diante do trono. O
ato de entoar um novo cântico de louvor perante Deus no céu exige que uma
palavra seja cantada depois da outra. De fato, lemos que a "árvore da
vida" da cidade celeste dá "o seu fruto de mês em mês" (Ap
22.2), o que implica uma passagem regular de tempo e a ocorrência dos eventos
no tempo.
Portanto, ainda haverá uma sucessão de momentos encadeados, e as
coisas continuarão a acontecer umas após as outras no céu. Experimentaremos
vida eterna não numa exata reprodução do atributo divino da eternidade, mas
antes numa duração infindável de tempo; nós, como povo de Deus, vivenciaremos
plenitude de alegria na presença de Deus por toda a eternidade - não no sentido
de que já não experimentaremos o tempo, mas sim no sentido de que nossa vida
com ele continuará para sempre: "Então, já não haverá noite, nem precisam
eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre
eles, e reinarão pelos séculos dos séculos" (Ap 22.5).
Um pouco
mais problemático é o status de Jesus como deidade, ainda que a Escritura
também o identifique como Deus. Uma referência chave à deidade de Cristo Jesus
é encontrada em Filipenses 2. Ao que tudo indica, nos versículos 5-11, Cristo
toma o que era um hino da igreja primitiva e o usa como base para pedir aos
leitores que pratiquem a humildade. Paulo observa que “ele [Jesus], subsistindo
em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (v. 6). A
palavra aqui traduzida por “forma” é morphê. Esse termo, tanto no grego
clássico como no bíblico, significa “conjunto de características que fazem com
que uma coisa seja o que é”. Denotando a genuína natureza de uma coisa, morphê
contrasta com schêma, que também é em geral traduzida por “forma”, mas no
sentido de formato ou aparência superficial, em lugar de substância. O uso de
morphê nessa passagem, refletindo a fé da igreja primitiva, insinua uma
profunda confiança na plena deidade de Cristo.
Outra
passagem significativa é Hebreus 1. O autor, cuja identidade nos é
desconhecida, está escrevendo para um grupo de cristãos hebreus. Ele (ou ela)
faz várias afirmações que implicam fortemente a plena deidade do Filho. Nos
versículos iniciais, o autor argumenta que o Filho é superior aos anjos nota
que Deus tem falado por meio do Filho, destacou-o como herdeiro de todas as
coisas e fez o universo por meio dele (v.2). O autor descreve, então, o Filho
como o “resplendor da glória de Deus” (NVI) e a “expressão exata do seu ser”.
Embora talvez possa se alegar que isso só afirma que Deus se revelou por meio
do Filho, não que o Filho é Deus, o contexto sugere outra coisa. Além de se
identificar como o Pai daquele a quem chama Filho (v. 5), Deus é cifrado no
versículo 8 (do Sl 45.6) dirigindo-se ao Filho como “Deus” e no versículo 10
como “Senhor” (do Sl 102.25). O autor conclui observando que Deus disse ao
Filho: “Assenta-te à minha direita” (do Sl 110.1). É significativo que o autor
bíblico dirige-se a cristãos hebreus, que com certeza estariam imbuídos de
monoteísmo, de maneira que inegavelmente afirmam a deidade de Jesus e sua
igualdade com o Pai.
Uma
consideração final sobre a autoconsciência de Jesus. Devemos notar que Jesus a
afirmou diretamente sua deidade. Ele nunca disse simplesmente: “Sou Deus”. Mas várias pistas sugerem que era assim,
de fato, que ele se via. Ele afirmava possuir o que pertence unicamente a Deus.
Ele falou dos anjos de Deus (Lc 12.8,9; 15.10) como se fossem seus (Mt 13.41).
Ele considerava o reino de Deus (Mt 12.28; 19.14, 24; 21.31, 43) e os eleitos
de Deus (Mc 13.20) como de sua propriedade. Além disso, ele alegou perdoar
pecados (Mc 2.8-10). Os judeus reconheciam que somente Deus podia perdoar
pecados e, por conseguinte, acusaram Jesus de blasfêmia. Ele também
reivindicava poder para julgar o mundo (Mt 25.31) e reinar sobre ele (Mt 24.30;
Mc 14.62).